Repórter Jota Anderson
O termo loucura a dois (folie à deux, em francês), que tem por sinônimos loucura coletiva, insanidade dupla, insanidade recíproca, deve-se aos psicólogos Lasèque e Falret, e surgiu no ano de 1877. Aparece, hoje, como outro transtorno do espectro da esquizofrenia sendo sintomas psicóticos introduzidos por outra pessoa (DSM-5-TR) ou transtorno delirante induzido (CID 11). Este artigo explica melhor essa doença mental rara, mas merecedora de atenção.
É característica básica da folie à deux, como o próprio termo exprime, a existência de ao menos duas pessoas (mas podem ser mais) com estreitas relações entre si vivendo em um ambiente, via de regra, alheio à influência de terceiros. Isoladas de quase tudo ou de todos, uma alimenta os delírios da outra. Para isso, tem de haver um psicótico (indutor ou dominante) e um doente ou alguém facilmente manipulável por déficit intelectual, passividade exacerbada, baixa autoestima, que é o dominado ou induzido. Ao se deixar levar pela loucura do outro, o dominado tem certo interesse em obter alguma vantagem, ainda que sem explicações racionais muito plausíveis (fama, passeios, doces etc.). A causa mais comum deste quadro é a esquizofrenia, embora possam abranger também transtorno delirante ou transtorno do humor com aspectos psicóticos.
Nos nossos dias, são elencados quatro subtipos de folie à deux: 1) folie imposée: ideias delirantes impostas a uma pessoa saudável, mas que desaparecem quando esta fica distante de quem as impõe; 2) folie communiquée: ideias delirantes infligidas a uma pessoa saudável e que persistem mesmo quando esta fica distante do dominante; 3) folie simultannée: quando dois psicóticos de igual gravidade partilham ideias delirantes. Ocorre, com certa frequência, em hospitais psiquiátricos e vêm associados a quadros de vulnerabilidade e fatores depressivos; 4) folie induite: um psicótico mais grave influencia outro paciente portador de psicose moderada com novas ideias delirantes (cf. Bruno Graebin de Farias. Folie à deux. UFRGS, on-line). Como se tratam de situações distintas, ao menos nos subtipos, cada uma há de ser avaliada e, posteriormente, tratada de acordo com o achado clínico.
Dito isto, apresentamos um caso fictício que melhor ajudará a entender a folie à deux: No isolamento de uma pequena cidade do interior, nasceu a estranha amizade entre dois jovens: A e J. A – o indutor – rompera com a realidade objetiva. Via-se como um justiceiro, certo de que o mundo estava moralmente corrompido e a única forma de salvá-lo era por meio da violência. Seu delírio arquitetou um complexo universo de paranoia e grandeza. J, por sua vez, era um garoto solitário e facilmente influenciável. Carente de atenção e propósitos, encontrou em A a figura de um líder. A logo percebeu essa vulnerabilidade e, pouco a pouco, seduziu J para sua loucura. Longas conversas sobre conspirações, injustiças e a “missão sagrada de restaurar o mundo corrompido” tornaram-se a base desse vínculo.
O delírio, antes solitário, passou a ser compartilhado. J absorveu as crenças de A sem questionar. A paranoia de um tornou-se a realidade paralela do outro. Acreditavam, ainda, que uma sociedade secreta os vigiava e que era preciso agir antes de serem capturados. Eis que, em uma noite fria de junho, a fantasia mental se tornou ação. Juntos invadiram a casa de um comerciante local que, na mente delirante de A, era o líder da conspiração. Por isso, precisava ser morto. J, que nunca havia cometido qualquer crime, seguiu, de modo fiel, as instruções de A. Assassinaram um inocente. O ato cometido, inexplicável à razão, não foi apenas um crime, mas a manifestação de uma psicose compartilhada.
Eis um pouco do que poderíamos falar sobre a folie à deux. É um fato bastante raro – repita-se –, mas merecedor da nossa atenção.
Autores: Vitor Roberto Pugliesi Marques é médico neurologista (UFTM/Uberaba) e Mestre em Ciências da Saúde pela FAMERP/São José do Rio Preto; Vanderlei de Lima é graduado em Filosofia (PUC-Campinas) e pós-graduado em Psicopedagogia pela UNIFIA/Amparo.
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